Programa Roda Viva
Luiz Weis:
...Situar esse problema que todo mundo está falando “efeito estufa para
cá, efeito
estufa para lá”. Existe o efeito estufa, o senhor aposta
nele?
Aziz Ab’Saber:
Em primeiro lugar, Weis, eu não vou responder sobre efeito estufa,
porque eu não sou um físico, eu sou um geógrafo, um geógrafo
interdisciplinar, então eu vou responder, em primeiro lugar, sobre a
questão do meu rigor em relação ao documento dos cientistas e dos
prêmios Nobel. Eu tenho para comigo que o cientista só fala da região e
dos aspectos que ele conhece e, no caso de um cientista que tem
preocupações com o panorama desgraçado das desigualdades sociais e dos
problemas do Terceiro Mundo, o cientista tem que ter um olho na ciência e
um olho na aplicação da ciência. Ao aplicar ciência, ele já é um
político, mesmo que não esteja em partidos. E,
nesse sentido, o grande problema nosso é de observar bem, ter bons
conhecimentos que dêem validade à observação. Ninguém observa sem
primeiro ter uma longa experiência de observações e, ao mesmo tempo, de
fazer diagnósticos que se traduzam em uma possibilidade de aplicação da
ciência. Nesse sentido, a gente tem que ter o maior rigor com os
colegas: quem não viu, quem não conhece as regiões, as áreas, os
problemas de uma sociedade, os problemas das relações e do mosaico
ecológico e de uma série de tipo de espaços de países subdesenvolvidos
projetados sobre a herança da natureza, não tem muito direito de falar,
tenha a maior especialidade do mundo e tenha recebido por essa
especialidade os maiores prêmios da face da terra. Então eu não estou
sendo rigoroso, eu estou sendo rigorosamente um cientista que sabe o
valor do conhecimento básico, o valor do diagnóstico e a dificuldade da
proposta. A proposta é que pode ser ética, não-ética, ou que pode variar
segundo algumas possibilidades quase que intuitivas do diagnóstico.
Nesse sentido, toda vez que se faz proposta com muita discussão nós
temos vantagem, porque são várias óticas que se cruzam para se
aperfeiçoar as propostas. Então, a minha primeira resposta para você é
sobre essa questão delicada do aparelho de rigor. Eu sei que estou sendo
rigoroso, mas estou sendo rigoroso em homenagem à ciência e não em
homenagem às pessoas e aos especialistas. Cada vez a ciência terá que se
conduzir melhor no campo da interdisciplinaridade, isso é ponto
pacífico. [A] Segunda resposta diz respeito ao problema do efeito
estufa. Eu sou um velho estudioso do problema das variações climáticas
do quaternário na face da Terra [compreende a era do Cenozóico. O marco
inicial, segundo geógrafos, se situa 2,5 milhões de anos atrás, na época
denominada de pleistoceno] e, sobretudo, em relação à América tropical.
Houve tempo em que os cientistas franceses, sobretudo os
pré-historiadores, diziam, em relação à África, que teria havido uma
sucessão de ciclos em que durante a glaciação a África teria sido úmida e
durante os períodos interglaciais [períodos ande a temperatura da terra
se eleva] a
África teria sido seca. E nós, aqui no Brasil, com muita facilidade de
observação ao longo da estrutura superficial da paisagem e à custa de
observações que nos foram possibilitadas por uma certa reeducação dos
cientistas brasileiros – através de um contato com um mundo científico internacional,
a partir de 1956, de um grande congresso internacional de geografia que
houve no Rio de Janeiro – nós invertemos isso. Nós descobrimos que
durante um período glacial aconteciam coisas integradas na América
tropical, excepcionais: mais estocagem de gelo nos pólos e nas altas
montanhas, diminuição do nível do mar... na hora em que o mar começa a
diminuir de nível, os dois se estendem por aquilo que era uma
plataforma, ao mesmo tempo a corrente fria sobe mais para... até o sul
da Bahia, ela bloqueia a entrada da umidade. E eu acrescentei a tudo
isso um segundo fato: a grande massa de ar equatorial continental, que é
de uma força tão grande que atinge o estado de São Paulo durante o
verão. Ela sai da Amazônia, se estende por todo o corpo das terras
baixas da América tropical, tanto assim que quando o El Niño entra
pelos Andes, lá na Colômbia, ela não consegue entrar na Amazônia e vem
bater no sul do país, é isso que explica a dinâmica das grandes chuvas e
das inundações aqui no centro-sul extremo do Brasil. Então, nós
sabíamos que o controle do nível do mar é dependente do calor ou da
glaciação, mais glaciação, nível mais baixo, corrente fria funcionando
mais acima, menos potência, não tinha potencialidade da massa de ar
equatorial continental. E, em sabendo desses fatos que foram naturais na
história da Terra, vivida por questões complexas que escapam à Terra e
que são exógenas, nós temos o dever de alertar o mundo sobre o
aquecimento global. O global climate change não
é uma simples idéia que caiu do espaço, é uma função da projeção dos
conhecimentos sobre as variações climáticas, agora não-naturais,
determinadas pelo homem e pelas atividades econômicas através de muitos
tempos. Então, quando alguém diz “o Bush foi, recebeu informações de
grupo de cientistas”, eu fico pensando quem são esses grupos de
cientistas que normalmente estão mais próximos de um presidente. Porque é
muito mais difícil para o presidente Collor [presidente do Brasil entre
1990 e 1992] receber notícias diretas de um humilde professor da
universidade do que receber de mil vozes dos famosos, pelas famosas
pessoas – que eu não gostaria de dizer o nome que eu tenho em relações a
elas – que rodeiam o poder. Então, não é verdadeiro que seja uma
possibilidade vaga. A cidade de São Paulo, que abrange a grande São
Paulo... O construtivismo da grande São Paulo, tão plenamente, de todos
os espaços, ela já se reduziu de 1900 para 1990, ela aumentou o nível de
calor de 18,2, que eram as primeiras medidas da temperatura, para 20,3.
Agora, se você somar devastações feitas pelo café, pelos citros, pelas
canas, pela instalação do mundo urbano à maior bacia urbana da região e
do hemisfério sul, que é a de São Paulo e der uma taxa de aumento de
calor para tudo isso – isso é uma quantificação difícil, mas pode ser
feita – você vai saber que houve um aquecimento. Então, projete isso
para o tempo. Nós estamos cuidando de 1900 para 1990 para São Paulo e
houve esse acréscimo de 2,2. Você projete todos esses acontecimentos,
queimadas, instalação de bacias urbanas superdensificadas. São Paulo tem
seis cidades originadas pelo ciclo do café e tem 1.500 cidades
realmente existentes em 600 e poucos municípios, funcionando todas no
mesmo modelo, cada uma copiando o modelo da outra, o modelo urbano e
industrial do nosso tempo. Então é perigoso o futuro do planeta Terra em
função do aquecimento global, eu tenho que jogar isso para o futuro. Eu
penso que os dois pontos essenciais, tinha mais um [a] que talvez a
gente volte, está bom?
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/331
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